Política ambiental e defesa<br>da água pública

Vladimiro Vale (Membro da Comissão Política
do Comité Central)

Como se afirma nas teses, as questões ambientais assumem hoje uma importância na vida e nas relações internacionais. Face à importância e finitude de recursos, as grandes potências fazem destas questões factores de disputa económica, política e geoestratégica.

Muito tem sido investido na afirmação da ideia de que o capitalismo pode resolver os problemas ambientais. O capitalismo de face humana deu origem aos capitalistas verdes e à ideia de que vão transformar o mundo com recurso à tecnologia, aos produtos verdes e a mecanismos financeiro-especulativos. Estas ideias instalaram-se em muito do que é o movimento ambientalista.

Os capitalistas autoproclamados verdes têm-se desdobrado em intervenções a defender que a «transição para um futuro sustentável nas próxima décadas fornece uma oportunidade anual que vale triliões de dólares para as empresas e para os “financeiros”» e dão como exemplo o «desenvolvimento do mercado de carbono». Pretendem apagar responsabilidades do sistema de produção capitalista na degradação ambiental, favorecer processos de natureza colonial e formas de transferência de custos para os povos do mundo. Com o Acordo de Paris sobre Alterações Climáticas, também acompanhado de uma enorme campanha ideológica, deu-se passos no sentido de uma política de privatização da atmosfera e de transferência de custos e responsabilidades para os povos aprofundando mais injustiças entre os países que mais contribuem e contribuíram para a populição da atmosfera e os países em desenvolvimento.

Entretanto o capitalismo prossegue e aprofunda a apropriação da terra, das matérias primas, dos recursos extraídos da natureza. Mas quer mais que isso. Quer apropriar-se dos processos naturais que tal como a terra, não sendo produto do trabalho, não têm valor. Tal como «o direito de propriedade da terra é o direito à renda», o direito à propriedade do genoma de uma planta ou direito à propriedade da capacidade dos ecossistemas de absorver carbono, justificarão o pagamento de tributo de quem «usufruir» da natureza.

Nós, os comunistas, sabemos que a questão principal é política e social e não tecnológica. Sabemos que, numa sociedade capitalista, mesmo a mais avançada tecnologia servirá em primeira análise para favorecer processos de concentração de riqueza e não para resolver os problemas da humanidade.

Nós, os comunistas, também sabemos que a questão ambiental não se resolve actuando sobre o consumo, com produtos verdes ou apelando à redução do consumo numa sociedade consumista. Também sabemos que a taxação de hábitos carregará sobre as camadas mais empobrecidas.

É no modo de produção que se encontra o problema fundamental. O sistema de produção capitalista assim como é responsável pela exploração do trabalho é também responsável pela exploração da natureza.

Reforçar o papel do Estado

A luta contra a mercantilização da natureza passa pela denúncia e combate às campanhas de condicionamento ideológico que pretendem apagar responsabilidades do sistema de produção capitalista na degradação ambiental, denunciando as suas contradições. A situação confirma a necessidade de um sistema que racionalize a utilização de meios e recursos para que sejam colocados ao serviço da sociedade em lugar de a ameaçar de destruição.

No imediato esta luta passa pela exigência de reforço dos meios do Estado para desenvolver uma verdadeira política de defesa do equilíbrio da natureza. Reforço de medidas que aumentem a eficiência energética, que desenvolvam alternativas energéticas de domínio público. Reforço o investimento no transporte público e pelo combate à chamada Fiscalidade Verde que não é mais que uma reafectação da tributação, carregando mais sobre as camadas mais empobrecidas.

Combater a mercantilização da biodiversidade, combatendo a desresponsabilização do Estado central através da entrega da gestão das áreas protegidas a autarquias ou a privados, reivindicando mais investimento, mais meios materiais e humanos na defesa das zonas ecológicas sensíveis e das áreas protegidas, como forma de defender o equilíbrio da natureza, mas também forma de combater a desertificação e o despovoamento de enormes áreas do País.

Combater a pressão para a mercantilização da água garantindo o direito fundamental à água e ao saneamento e o direito à água na Natureza, garantindo a propriedade pública da água combatendo a entrega da captação e distribuição de águas e saneamento de águas residuais a empresas privadas, valorizando o papel das autarquias, respeitando as competências municipais em particular no que se refere aos Serviços Urbanos da Água. A privatização destes sistemas não só transforma o direito universal à água em mercadoria, como retira às populações e ao poder local qualquer possibilidade de intervenção democrática na sua gestão.

A luta contra a mercantilização da natureza passa também por combater a liberalização do comércio mundial e o recurso a mecanismos especulativos com o pretexto de regular da produção de gases com efeito de estufa.




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